11 Milhões de VW

Os primeiros dados que deram origem às investigações vieram de um estudo realizado nos Estados Unidos em 2013 por uma equipa do ‘Center for Alternative Fuels Engines and Emissions’ (CAFEE) da West Virginia University, encomendado pelo ‘International Council of Clean Transportation’ (ICCT) que procurava na altura um laboratório onde a tecnologia chamada “Diesel Limpo” ou “Diesel Verde” usada pelos fabricantes automóveis alemães pudesse ser testada. O objectivo era obter elementos relativamente à poluição produzida por veículos ligeiros a diesel quando conduzidos em condições reais, em estradas dos Estados Unidos.

A VW teve conhecimento, no inverno de 2013, dos valores “estranhos” apurados por este estudo e teve também delegados a assistir à sua apresentação oficial, numa conferência em San Diego, em Março de 2014.
O relatório original da “CAFEE” (Formato PDF).
O estudo passou despercebido até que, em Setembro de 2015, a EPA (United States Environmental Protection Agency) acusou o Grupo Volkswagen de violar a “Clean Air Act”, uma lei federal que tem como objectivo controlar a poluição do ar e que foi das primeiras, mais influentes e mais abrangentes leis ambientais modernas nos Estados Unidos.
Foi então divulgado que os automóveis a diesel TDI das marcas VW e Audi tinham o controlo electrónico do motor programado para desligar os sistemas de redução de emissões poluentes quando o carro era utilizado em estrada, no dia-a-dia, ligando-os novamente só quando os veículos eram testados em laboratório.

Como? Os testes eram baseados num perfil conhecido, fácil de identificar pelo “software” de gestão do motor e substancialmente diferente do da utilização normal das viaturas. Quando este modo de funcionamento do veículo era detectado, o computador de controlo do motor sabia que o carro estava a ser testado em laboratório e não conduzido em estrada.

Foi provado que estes motores poluíam muito mais em utilização no dia-a-dia do que em testes de laboratório (até 40 vezes mais óxido de nitrogénio, por exemplo).
Desde o início da fraude em 2009 e até 2015, o Grupo Volkswagen já tinha vendido a nível mundial mais de 11 milhões de automóveis das marcas VW, Audi, Skoda e Seat com as modificações fraudulentas, dos quais 8,5 milhões na Europa e 500.000 nos Estados Unidos. 5 milhões de Volkswagen, 2,1 milhões de Audi, 1,8 milhões de Comerciais Volkswagen, 1,2 milhões de Skoda e 700 mil Seat.

O mito do “Diesel Verde” que não só a Volkswagen mas toda a industria automóvel alemã, VW, Audi, Daimler, BMW, Porsche, os políticos da União Europeia e Alemães nos vinham vendendo há anos mais não era do que era mentira, fraude e publicidade enganosa.
A justiça é rápida nos Estados Unidos, e em tribunal, ficou provado que a VW tinha desenvolvido esta tecnologia ilegal em 2009 e que vários quadros superiores tinham ainda tentado ocultar os factos desde que o caso se tornara conhecido do público, em 2015. A empresa Alemã foi acusada e declarou-se culpada de três crimes:
– Utilizar tecnologia que contornava o sistema de redução de emissões poluentes.
– Defraudar os Estados Unidos.
– Conspirar para violar o “Clean Air Act”.
Foi condenada e pagou mais de 3,8 mil milhões de Euros em multas, para além de mais de 15 mil milhões de Euros que já tinha concordado pagar a proprietários de carros afectados, a concessionários da marca e em multas relativas a emissões poluentes.
Como parte do acordo que conseguiu em tribunal nos Estados Unidos, a VW deu a escolher aos compradores de automóveis afectados:
– Comprar de volta os automóveis .
– Terminar os contratos de leasing devolvendo as importâncias já pagas.
– Modificar os automóveis de forma a que cumprissem a legislação.
A VW comprometeu-se ainda a comprar ou reparar pelo menos 85% dos veículos envolvidos até Junho de 2019, sob pena de pagar ainda mais em multas.

Ficou também provado que pelo menos 5 executivos da empresa estavam a par do programa para falsificar os resultados dos testes de poluição. Alguns foram presos, outros despedidos, outros suspensos. O presidente mundial da Volkswagen, Martin Winterkorn, foi acusado de fraude e conspiração pela Justiça dos Estados Unidos e enfrenta uma pena até 25 anos de prisão e multas até 220 mil Euros. Só não cumprirá pena porque a Alemanha proíbe a extradição de cidadãos para fora da União Europeia. Não nos parece que vá viajar para a América nos tempos mais próximos.
O escândalo já custou à VW, só nos Estados Unidos e até à data, perto de 25 mil milhões de euros, entre compensações pagas a proprietários de veículos afectados pela fraude, reguladores ambientais, estados e concessionários. Prevê-se que a “conta” final seja muito mais elevada.
Claro que a justiça na Europa funciona de forma diferente e muito mais lenta do que nos Estado Unidos, e a VW tem escapado até agora a multas ou compensações como as que já teve que pagar no outro lado do Atlântico. Apesar da fraude ser igual, os consumidores não mereceram o mesmo tratamento:
– 25 mil milhões de Euros e 500.000 carros falsificados nos Estados Unidos.
– 5,4 mil milhões de Euros e 8.500.000 carros falsificados na Europa.
Depois inicialmente ter dito que os clientes na Europa mereciam o mesmo tratamento e compensações do que os dos Estados Unidos e de anos de discussões, a Comissão Europeia acabou por desistir de tentar obrigar a Volkswagen a pagar aos Europeus o mesmo que teve que pagar aos Americanos. Entretanto, a legislação Europeia foi alterada e foram aprovadas regras para punir mais severamente casos destes no futuro, mas o facto é que a justiça Europeia tem ainda muito que aprender com a dos Estados Unidos.
Na Europa, por exemplo, a VW recusou-se a pagar qualquer indemnização a clientes, enquanto nos Estados Unidos cada proprietário de um carro afectado recebeu da marca alemã, ao abrigo do que esta chamou de “Pack de Boa Vontade”: Um cartão Visa pré-pago com 500 dólares de crédito a ser usado em compras do que o cliente quiser e onde o cliente quiser, outro cartão com mais 500 dólares de crédito para ser usado em qualquer concessionário VW e 3 anos de assistência em viagem 24h grátis. Basta fazer as contas, só aqui foram mais de 500 milhões de dólares. E só depois é que se falou da solução do problema, das multas e de outras indemnizações para os clientes enganados, que podem ir até 10.000 dólares por viatura.

Na Europa, a marca só efectua gratuitamente as modificações necessárias (operação obrigatória nalguns países mas opcional noutros) para remover o sistema fraudulento.
E como estas modificações para legalizar o veículo em termos de emissões poluentes faz com que os motores consumam mais, tenham menos potência, menos binário e se tornem mais barulhentos, compreende-se que nem todos os proprietários tenham vontade nem pressa para proceder às alterações.
Mesmo que desde 2015 a VW já tenha gasto uma pequena fortuna com o escândalo, um facto é que as vendas e os lucros do grupo retomaram e são já superiores a valores de 2014, um ano antes do escândalo. A VW divulgou no início de 2018 um comunicado em que afirmava que o seu lucro tinha sido de 11,4 mil milhões de Euros, mais do dobro dos 5,1 mil milhões de lucro em 2016. A ultima vez que o grupo VW tinha tido lucros superiores a 11 mil milhões de Euros tinha sido em 2014, o ano antes do “Dieselgate”.
Há anos que o fabricante Alemão se tem mantido entre os 3 maiores fabricantes de veículos automóveis do mundo, com a Toyota e a Renault-Nissan.
Entretanto nos Estados Unidos, dos 500.000 carros afectados muitos foram devolvidos à VW (que os comprou) por clientes que já não os querem, outros ainda não tinham sido vendidos, perto de 30.000 foram destruídos, 15.000 já foram revendidos e muitos outros já foram modificados e continuam na posse dos seus proprietários. “Sobram” por enquanto perto de 300.000.

A Volkswagen tem vindo a armazenar estas centenas de milhares de veículos em 37 “locais de armazenamento seguro”, que são lotes de terreno ao ar livre, espalhados pelos Estados Unidos. O estacionamento de um estádio de futebol desactivado em Detroit, uma antiga fábrica de papel no Minnesota, um aeroporto em Victorville…
A VW afirmou num comunicado que estes locais de armazenamento “asseguram um armazenamento seguro de veículos que foram comprados de volta em cumprimento dos termos do acordo judicial que assinámos”… “estes veículos estão a ser armazenados provisoriamente e assistidos regularmente de forma a assegurar o sua operacionalidade e qualidade a longo prazo, de forma a poderem voltar ao mercado ou exportados assim que os reguladores nos Estados Unidos aprovem as modificações apropriadas”.
Os carros não são feitos para estar parados, e quando estão muito tempo parados deterioram-se.
Em resposta às perguntas feitas pela “Green Car Reports”, “porque é que estes carros continuam parados?”, “que medidas estão a ser tomadas para que continuem em condições de serem vendidos?” e “quantos destes automóveis é que a VW espera vender?”, a VW respondeu por escrito:
“À medida que a Volkswagem reintroduz estes veículos no mercado, estamos conscientemente a equilibrar a procura e a controlar a oferta de modo a não criar excedentes”.
A VW está a revender estes carros primeiro a concessionários da marca, começando com os que têm menos quilómetros e que estão em melhor estado. Os concessionários irão comercializá-los como carros usados com uma garantia ilimitada de dois anos. Todos os TDI’s revendidos ao público terão uma garantia adicional de quatro anos e 80.000 Km no que respeita a emissões poluentes.
Espera-se que outros sejam vendidos através de firmas de leilões especializadas e muitos poderão acabar em “stands” de automóveis de segunda mão. A Volkswagen diz ainda que alguns serão “reciclados responsavelmente” (comprados como sucata para serem desmantelados e vendidos às peças?).
A parte mais surpreendente da resposta da VW foi a revelação de que a firma contratou “serviços profissionais de logística” que se encarregarão de pôr os carros a funcionar, conduzi-los por alguns quilómetros e lavá-los todos os meses”.
Operação simples?
Saber a matrícula do carro e onde está estacionado, trazer as chaves e os documentos, descobri-lo no meio de outros 10, 20 mil ou mais. Pô-lo a trabalhar e dar uma volta ao quarteirão, lavá-lo e voltar a arrumá-lo. Repetir 300 mil vezes, em 37 estacionamentos espalhados por quase 10 milhões de Km2.
E um mês depois, quando acabar esta tarefa, recomeçar.
Os fabricantes agem com impunidade e as autoridades reguladoras não estão dispostas a responsabilizá-los. Da mesma forma que os fabricantes de automóveis não podem desligar os sistemas de travagem para poupar pastilhas de travão, não devem implementar sistemas que desligam os sistemas de controlo de poluição quando os carros circulam num tipo de estradas que é o da maioria das estradas existentes na Europa. Isto não é um crime sem vítimas. 72.000 pessoas morrem prematuramente todos os anos, asfixiadas pelos fumos do gasóleo.
(Julia Poliscanova, Transport & Environment)