Grátis! Grátis?
Estes serviços e produtos não são grátis, os nossos dados são o pagamento.
A leitura da versão actualizada dos “Termos de Serviço do Google”, de 22 de Janeiro de 2019, nomeadamente o capítulo intitulado “O seu Conteúdo nos nossos Serviços”, só confirma que não há uma fronteira definida para impedir que a Google se sirva das informações que recolhe acerca de nós e das que armazenamos e fazemos passar pelos seus serviços e dispositivos para o que quiser e durante o tempo que quiser.
O modelo de negócio da Google é inteiramente baseado na vigilância das nossas actividades. Tenhamos ou não uma conta Google, as nossas actividades são constantemente acompanhadas, e é quase impossível evitá-lo. Os registos das nossas actividades são usadas para construir perfis de utilizador, que podem ser usados para vários propósitos, entre os quais está também a sua disponibilização às autoridades governamentais.
Fornece produtos práticos e bem concebidos, que servem principalmente para “embalar” programas de recolha de todos os nossos dados e actividades. Produtos que se encontram hoje não só nos computadores mas também nos automóveis, telefones, relógios, televisões, casas…
Os nossos dados privados ajudam a Google a dominar o mundo da publicidade online, e são habitualmente usados através de publicidade direccionada (a Google é hoje a maior firma de publicidade do mundo). Nós somos o produto que vendem.
Mesmo que sem estar preocupados com o facto que outros vejam os nossos conteúdos (que consideramos públicos ou não), devíamos preocupar-nos pelo menos com a “licença internacional” que concedemos “à Google e àqueles com quem trabalha” para “utilizar, alojar, armazenar, reproduzir, modificar, criar trabalhos derivados”… “comunicar, publicar, executar e apresentar publicamente, bem como distribuir” os nossos conteúdos.
Somos donos dos nossos conteúdos e dados, mas mesmo que a diferença entre propriedade e utilização possa ser difícil de definir na Internet, a Google deixa claro que pode fazer o que quiser com eles. E durante o tempo que quiser, pois a “licença permanece em vigor mesmo que o utilizador deixe de utilizar os nossos Serviços”.
E se decidirmos que não queremos mais trocar a nossa privacidade pela nossa comodidade e, sacrilégio!, deixar de usar os produtos da Google?
Vai ser difícil. Recordo-me de que há coisa de um mês a televisão Sony com Android TV duma amiga se recusava a funcionar sem que concordasse com os os famosos “Termos de Serviço e Política de Privacidade” da Google.
Mas se não quisermos mais deixar que os nossos conteúdos e dados sejam dissecados, reutilizados, modificados, publicados, distribuídos, etc.?
Bem, a Google diz que “alguns serviços podem disponibilizar formas de acesso e remoção de conteúdo”. Ou seja, TALVEZ possamos removê-los de ALGUNS serviços, SE estes serviços disponibilizarem forma de os aceder e apagar…
Para os tentar apagar também vai ser preciso saber quantos “serviços” a Google tem (mais de 250, da ultima vez que tentei fazer uma lista), quais são e por quais é que estão espalhados os nossos dados. E mesmo assim, só alguns “podem disponibilizar ao utilizador formas de acesso e remoção de conteúdo”.
A Google reivindica portanto o direito de fazer o que bem quiser aos nossos dados, fotografias, informações pessoais, textos, e-mails, filmes ou qualquer outro tipo de documento ou trabalho nosso, mesmo quando desistimos dos seus serviços.
A Google também confirma por escrito e de forma clara que, para além dos nossos outros dados que “passam” pelos seus serviços, lê e “analisa” TODOS os nossos e-mails, recebidos, enviados e mesmo rascunhos no seu serviço “GMail”.
E insiste em tentar convencer-nos que é uma empresa altruísta que faz este esforço todo para nosso bem, para melhor responder às nossas necessidades, para que o nosso conteúdo “funcione melhor” para nos “fornecer funcionalidades do produto pessoalmente relevantes”, seja lá o que for que estas frases querem dizer e, muito importante, para nossa segurança, argumento que fecha a lista de justificações para bisbilhotar e arquivar toda a nossa “vida digital”.
Cada “click”, cada entrada na nossa conta, os “sites” que visitamos, os nossos emails, a nossa posição geográfica, os nossos telefonemas, as nossas mensagens, as nossas compras, os nossos contactos, cada movimento que fazemos usando produtos ou serviços da Google, mais os dados que consegue obter de outras formas e de outras fontes e que combina com os que recolhe directamente. Numa época em que a capacidade de recolha de dados dos equipamentos e programas está sempre a crescer, é difícil determinar se a informação recolhida é realmente necessária ou demasiada.
Depois de bisbilhotar, analisar, e guardar por tempo indefinido o conteúdo que recolhe dos seus utilizadores, o que passa pelos seus serviços mais o que obtém de terceiros, empresas e privados, o que faz a Google com estes “dossiers” digitais (também chamados “perfis”) acerca de cada um de nós? Usa-os como quer ou vende-os “àqueles com quem trabalha” para fazerem o mesmo? O uso dos nossos dados pessoais sente-se já de forma clara na publicidade direccionada, mas não nos podemos esquecer que também serve ou pode servir para vigilância maciça, manipulação de eleições, ajuste automático de preços, censura, concessão de crédito, seguros.
Falámos aqui da Google porque a alteração dos seus “Termos de Serviço” da semana passada fez com que os lêssemos (coisa que nunca tínhamos feito e que talvez 90% das pessoas não fazem), mas também porque os números são no mínimo impressionantes. Segundo o seu CEO Sundar Pichai (I/O Developer Conference, 2017):
– Mais de 2.000.000.000 utilizadores do Android
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores do Gmail
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores do YouTube
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores do Google Maps
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores do Chrome
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores da Pesquisa Google
– Mais de 1.000.000.000 utilizadores do Google Play
– Mais de 800.000.000 utilizadores do Google Drive
– Mais de 500.000.000 utilizadores do Google Photos
– Mais de 100.000.000 utilizadores do Google Assistant
Tem que lutar pela sua privacidade ou vai perdê-la
Eric Schmidt, Google/Alphabet, 2013